Pra que serve a psicoterapia?

“Pra que serve a psicoterapia?” – assim se inicia a reflexão proposta pelo analista Fernando Savaglia, da Sociedade Paulista de Psicanálise.

São muitos os motivos que nos levam à terapia e são muitas as expectativas que depositamos no terapeuta: “amigo pago”, cúmplice, uma autoridade nos domínios da alma…

Uma vez um paciente transpareceu seu desconforto em não saber direito a natureza do seu relacionamento comigo. Ele me disse que me tinha como um amigo, mas o fato de pagar pelo tratamento o fazia questionar o meu real interesse em escutá-lo. Para a Psicanálise, esse fenômeno se chama transferência: o paciente transfere, para o seu analista, os sentimentos e conflitos que vivenciou com seus pais e que, por mecanismos inconscientes, repete com as demais pessoas significativas ao longo de sua vida. O que esse paciente queria saber, no fundo, no fundo, era se eu o amava de maneira genuína. Uso a palavra amar no sentido (im)preciso do termo, sem exageros ou sentimentalismos – certa vez, em carta a Jung, Freud escreveu que a Psicanálise é cura pelo amor. Concordo totalmente! O principal mecanismo de transformação na análise é a possibilidade de viver com o analista uma Experiência Emocional Corretiva. Inconscientemente, o paciente tenta reproduzir na relação terapêutica os conflitos que teve com seus pais e que moldou a sua forma de se relacionar com os outros. Aos poucos, começa a reencenar o drama de sua vida. Atento a esses movimentos, o analista ajuda o paciente a entender essa trama emocional e a se relacionar de outra forma, livre dos padrões rígidos que vinha repetindo vida afora. Se fosse para resumir o que eu faço, diria que ajudo a desatar nós e a atar laços.

 
Geilson Santana
26.05.12

Pra que serve a psicoterapia?

Por Fernando Savaglia

Preocupado com o comportamento problemático de seu filho na escola, o mafioso Tony Soprano pergunta à sua terapeuta:

– O que você acha que eu deveria fazer com ele, ir com calma ou pressioná-lo?

– Isto é difícil de responder – falou a analista.

– Quer aumento para responder? – perguntou o paciente, não disfarçando a irritação com a devolutiva da psicoterapeuta.

Este diálogo, transcrito de um dos episódios da série A Família Soprano, descreve bem a ideia simplória que muitas pessoas têm do processo da psicoterapia: pagamos para obter respostas objetivas sobre nossos afetos a alguém que se livrou completamente de suas neuroses.

O recentemente falecido José Ângelo Gaiarsa, provavelmente o maior terapeuta reichiano do Brasil, deixou em seu último livro publicado, Meio Século de Psicoterapia, contundentes opiniões sobre o processo. “Melhor ser visto, perante o paciente, como um aliado, até um cúmplice, do que se propor como uma autoridade imune ante os males do mundo no qual ambos vivem e no qual se formaram”.

É claro que a relação terapeuta/paciente tem importância fundamental em qualquer processo analítico. Porém, é unanimemente reconhecido entre os profissionais psi que cerca de 90% do que é dito pelo analista não é absorvido pelos pacientes.

A partir daí pode surgir a famosa e recorrente pergunta por parte do cliente: “estaria eu pagando para ter um amigo com quem possa desabafar?” Ou então, “como sei se a terapia está surtindo efeito?”

A resposta a esta pergunta pode parecer complexa. Muito melhor que elucubrações teóricas sobre esta ou aquela abordagem, podemos começar a respondê-la dando um exemplo de sensibilidade de um terapeuta que ao invés de tentar desarmar uma suposta neurose, soube ver no relato de seu analisando um caminho para aplacar aquela angústia. Para isso, faço uso de uma história do pedagogo e psicanalista Rubem Alves. Ele conta que certa vez recebeu um paciente que se queixava da falta de capacidade de se integrar ao mundo ao seu redor. As pessoas lhe pareciam fúteis, as relações sem profundidade e em seu trabalho estava cercado de situações injustas e egoístas. Alves, ao invés de buscar uma terapia de inclusão, isto é, tentar reintegrá-lo a este universo, num arroubo existencialista – não raro para alguns psicanalistas menos ortodoxos – sabiamente valorizou a sensação de desamparo do homem. Ressaltou sua capacidade de se deparar com a realidade e que ele havia transposto a primeira, e às vezes dificílima, etapa da construção de uma vida real.

A partir daí, juntos, analista e analisando se lançaram na aventura de buscar um lugar no mundo, apesar da “situação demencial da modernidade” como gostava de frisar Heidegger. Se em algum momento você sentir que não encontra no seu analista a figura de um cúmplice nesta jornada, existe um indício de que a terapia não está funcionando. Num mundo em que as realizações, algumas bem fúteis, se contrapõem à depressão e à ansiedade, gerando um padrão psíquico melancólico na sociedade atual, a verdadeira revolução é, justamente, transformar a sensibilidade, antes algoz, em uma janela onde se pode vislumbrar esse SER.

As palavras do genial cineasta e dramaturgo Domingos de Oliveira podem servir de norte para essa relação: “a vida oscila entre o terror e a glória. Do terror já se falou muito, e isso criou um mundo onde as glórias da vida estão ocultas. Já foi tudo muito denunciado. É preciso denunciar que vale a pena viver”.

Reblogado de http://sppsic.wordpress.com/2011/04/13/pra-que-serve-a-psicoterapia/

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Categorias: PSICOTERAPIA

Autor:Pílulas de Insight

Médico psiquiatra e psicoterapeuta CRM 118.041 Mestrando na Faculdade de Medicina da USP Pesquisador do Núcleo de Epidemiologia Psiquiátrica da USP Professor da Sociedade Paulista de Psicanálise Bacharel em Comunicação Social Atendimento individual, de casal e de família Português - English - Español - Français Curriculum Vitae: http://lattes.cnpq.br/0995802665509848 geilson@pilulasdeinsight.com.br (11) 3262-1348 (PR) (11) 99477-3472 (PR, EN, ES, FR)

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